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Frio potencializa doenças em moradores de rua, mas não é a causa das mortes, dizem legistas

Pessoas em situação de rua enfrentam baixas temperaturas no centro de São Paulo

Pessoas em situação de rua enfrentam baixas temperaturas no centro de São Paulo
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com a chegada do inverno, é comum acompanharmos notícias de pessoas em situação de rua encontradas mortas durante a madrugada, principalmente na capital paulista. As vítimas, geralmente, dormem na calçada sem cobertas e roupas o suficiente para enfrentar as baixas temperaturas.

Em razão desse contexto, os veículos de comunicação e as ONGs, que ajudam essa população vulnerável, costumam atribuir ao frio o motivo da morte. Entretanto, o MonitorR7 conversou com médicos legistas que explicaram que não é bem assim. É muito difícil obter o diagnóstico de hipotermia em um país tropical como o Brasil.

Em locais que registram temperaturas negativas, como o Canadá, os sinais para esse tipo de morte são mais evidentes, como queimaduras nas extremidades do corpo. Enquanto, no Brasil, as evidências não são tão claras.

Na maioria dos casos, os moradores em situação de rua, principais vítimas do inverno, também possuem doenças ou infecções preexistentes, que são agravadas pelas temperaturas baixas e podem levar à morte. Dessa forma, o frio não é considerado a causa principal do óbito, mas um catalisador dessas enfermidades.

Antes de apontar os desafios enfrentados pelos profissionais do IML (Instituto Médico Legal), é importante explicar, porém, como funciona o processo da comunicação do óbito até a realização do exame necroscópico, que é responsável por determinar a causa e o modo da morte.

De acordo com a Polícia Científica do Estado de São Paulo, quando um corpo é localizado, normalmente a Polícia Militar é a primeira a aparecer. Após confirmar a morte, os policiais preservam o local e comunicam a delegacia mais próxima do endereço.

O delegado de plantão, por sua vez, poderá acionar os peritos criminais, que são encarregados de analisar a cena do possível crime e recolher vestígios que possam ajudar a desvendar a morte. Concluída a perícia, o corpo é encaminhado ao IML, onde será analisado pelos médicos legistas.

Apenas casos específicos são investigados pelo IML como mortes violentas (homicídios, latrocínios, suicídios, acidentes de trânsito fatais), cadáveres sem identificação e mortes suspeitas – quando não é possível determinar pela circunstância do encontro do corpo se a causa é natural ou criminosa – a exemplo das pessoas em situação de rua.

Sinais de hipotermia

Mas, afinal, quais são os sinais de hipotermia? De acordo com o presidente da AMLESP (Associação dos Médicos Legistas de São Paulo), João Roberto Oba, sonolência, pele fria e pálida, tremores, perda de consciência, delírios e convulsões são alguns indicativos.

Em condições normais, a temperatura média do corpo humano é 37° C, por isso números inferiores a 35° C devem acender um sinal de alerta. O corpo começa a entrar no processo de hipotermia – quando perde mais calor do que produz -, provocando a queda do ritmo dos batimentos cardíacos e da atividade neural.

O médico legista Oba explica que os moradores de rua são mais vulneráveis às baixas temperaturas, pois costumam ter o sistema imunológico debilitado em razão da desnutrição e de doenças preexistentes como pneumonia, tuberculose e problemas cardíacos. Idosos e crianças também compõem o grupo de risco.

Essa população, que já vive em condição de extrema vulnerabilidade, também tem o hábito de consumir bebidas alcoólicas como uma forma de se aquecer. Entretanto, dependendo da quantidade ingerida, a substância enfraquece o sistema imunológico, tornando as respostas do corpo humano mais lentas. Isto é, a vítima demora a perceber que está em situação de perigo.

Segundo o presidente da AMLESP, o frio não é a causa de morte no Brasil, mas um acelerador dessas doenças preexistentes. No momento da necropsia, o profissional identifica os sinais dessas enfermidades que são mais evidentes do que a hipotermia.

Há 35 anos, Oba trabalha no IML de Diadema, localizado na região metropolitana de São Paulo. Em todo esse período de experiência, ele conta que nunca viu um laudo necroscópico apontar como resultado hipotermia. “O frio acaba encurtando a vida dessas pessoas, mas não é o principal responsável”.

Problema de comunicação

Outro empecilho para o diagnóstico da morte por hipotermia, é a falta de comunicação entre o perito criminal e o médico legista, destaca o ex-diretor do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo, Adilson Pereira.

Em um cenário ideal, o perito deveria acompanhar o corpo até o Instituto Médico Legal para conversar com o médico sobre as circunstâncias em que a vítima foi localizada. No caso das pessoas em situação de rua, por exemplo, relatar se estavam cobertas, dormindo direto no chão – situação em que há mais perda de calor -, o horário e a temperatura do ambiente.

Sem essa comunicação, o legista não tem informações sobre o contexto do encontro do cadáver, que poderia auxiliar na composição do laudo necroscópico. O profissional do IML está restrito a analisar os vestígios encontrados pelo corpo da vítima.

De acordo com Pereira, em São Paulo, o número de profissionais da Polícia Científica em relação à quantidade de casos a serem investigados não é o suficiente para que o médico legista e o perito possam trabalhar juntos.

A Secretaria de Segurança Pública afirmou, por meio de nota, que atualmente há 463 médicos legistas e 1.456 peritos criminais atuando no estado.

“Há um concurso aberto para contratação de 189 novos médicos-legistas, cuja prova preambular ocorreu no último dia 12. Após o término do concurso, os candidatos aprovados passarão por formação na Academia de Polícia (Acadepol) e serão distribuídos de acordo com estudos técnicos e demanda operacional, avaliados pela Diretoria do Instituto Médico Legal”, afirma a pasta.

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